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Pressuposições são mensagens sobre a maneira como as coisas estão embutidas, quase invisíveis, na linguagem de um terapeuta. Como elas não são sequer notadas conscientemente, essas comunicações têm o imenso poder de mudar as percepções, expectativas e crenças de um cliente. Veja este exemplo do trabalho de Milton Erickson:
No final dos anos 1950, quando Erickson foi palestrante convidado da Administração do Hospital dos Veteranos em Palo Alto, Califórnia, um psiquiatra escolheu um dos seus clientes mais difíceis — um jovem que tinha cometido várias ofensas violentas – para se encontrar com Erickson. O jovem esperou na recepção com o seu psiquiatra, observando outros pacientes entrarem e saírem do escritório de Erickson, muitos deles ainda claramente em transe. Quando os dois homens finalmente entraram, Erickson perguntou ao psiquiatra: "Por que você trouxe esse menino para mim?" Depois que o psiquiatra listou as muitas transgressões que seu cliente havia cometido, Erickson disse para o psiquiatra: "Vá se sentar." Erickson, em seguida, virou-se para o cliente, olhou fixamente em seus olhos, e disse: "Quão surpreso você ficará quando o seu comportamento mudar completamente na próxima semana?" O jovem olhou assustado e disse: "Vou ficar muito surpreso!" Erickson, em seguida, virou-se para o psiquiatra e disse: "Leve esse menino embora." O psiquiatra achou que Erickson havia decidido não trabalhar com ele. Entretanto, uma semana depois, de fato, todo o comportamento destrutivo do cliente havia mudado completamente.
Erickson tinha, sem dúvida, notado a elevada receptividade do jovem, e resolveu expressar a pressuposição de que todo o seu comportamento mudaria. Erickson não lhe perguntou: "O seu comportamento vai mudar?" A pergunta de Erickson pressupunha que o comportamento do menino mudaria; era apenas uma questão de quão surpreso o menino ficaria quando mudasse.
Quando a reação do cliente – verbal e não-verbal – mostrou a Erickson que ele tinha aceito completamente essa pressuposição, Erickson sabia que tinha conseguido, então o mandou embora para evitar desfazer o que ele tinha feito. Se o cliente tivesse dito: "Eu ficaria surpreso", ou se tivesse parecido em dúvida, Erickson, sem dúvida, teria tentado alguma outra intervenção. No entanto, o jovem disse: "Vou ficar muito surpreso", indicando que tinha aceitado a pressuposição de Erickson que a mudança iria ocorrer.
Havia outras pressuposições importantes que apoiaram essa intervenção genial. Quando Erickson perguntou: "Por que você trouxe esse menino para mim?" ele pressupõe que o paciente era imaturo, tinha muito a aprender, era dependente e precisava de orientação. Quando mandou o psiquiatra se sentar, Erickson pressupunha que o psiquiatra (que tinha tido um papel paternal para o "menino") estava numa posição de receber ordens de Erickson.
Com essas duas declarações rudes, Erickson configurou-se como uma autoridade superior para aqueles que tinham lidado com o cliente, tudo por pressuposição e implicação. Sem essas primeiras pressuposições, é improvável que, mais tarde, a sua pergunta tivesse tal impacto.
Grande parte das pressuposições úteis em terapia não são tão globais como as de Erickson. No entanto, elas podem alcançar mudanças significativas na percepção e no comportamento. Uma série de pequenas mudanças pressuposicionais podem funcionar juntas para afetar as famílias poderosamente. Um dos meus exemplos favoritos está em uma fita de vídeo da primeira sessão do terapeuta de estrutura familiar Salvador Minuchin com uma família cujo filho de 10 anos de idade estava cheirando gasolina. Imediatamente após as apresentações, Minuchin virou-se para o menino e disse: "Eu entendo que você goste de cheirar gasolina. O que você pensa que é, um automóvel?" Esse comentário engraçado teve um impacto imediato. Todo mundo relaxou um pouco e o problema tornou-se um pouco menos insolúvel.
A piada era bastante óbvia. Não tão óbvia era a pressuposição de que questões sérias pudessem ser discutidas com humor. Menos aparente mesmo foi o uso por Minuchin das palavras "você gosta". Em contraste, "você cheira” ou "você tem que" ou "você se sentiu atraído" teria pressuposto que o comportamento do menino estava fora de controle, e, portanto, difícil de mudar. "Você gosta de" pressupõe que o comportamento resulta do próprio desejo da criança, não alguma compulsão maluca ou incompreensível.
Em sua próxima declaração para o menino, Minuchin desenvolveu mais: "Qual você prefere – sem chumbo ou regular?" Todo mundo relaxou um pouco mais quando esse segundo comentário brincalhão deslocou novamente a atenção da família. A pressuposição de Minuchin expôs a eles a possibilidade de o problema não estar fora do controle de todos, mas ser uma questão de preferência do menino.
Em seguida, Minuchin cheirou e tomou um gole do chá que estava segurando, dizendo: "Eu me pergunto que tipo de chá é esse." Então se virou para o menino, ofereceu-lhe a xícara, e disse: "Como você tem um bom nariz, me diga que tipo de chá é esse." Esse comentário construído sobre os anteriores, voltou a focar a atenção da preferência à capacidade aprendida que torna possível a preferência. Minuchin tinha pressuposto que o menino tinha "um bom nariz" e era capaz de fazer algumas distinções que Minuchin não podia. Isso deixou o menino superior a Minuchin a esse respeito, e alterou a hierarquia implícita do terapeuta superior sobre a família carente.
Com três breves comentários, Minuchin transformou as percepções da família, de modo que eles acharam cheirar gasolina como uma expressão das preferências do menino e que ele também demonstrava uma capacidade positiva para diferenciar. O problema incontrolável estava vários passos significativos mais próximos de uma solução porque os membros da família estavam pensando sobre isso de uma maneira muito diferente. Ao invés de criticar, repreender ou interrogar o menino, Minuchin implicitamente o elogiou pela sua habilidade em diferenciar. Isso proporcionou uma base positiva para orientar o menino na utilização dessas habilidades para outras atitudes do que cheirar gasolina.
É claro que mais precisava ser feito. Minuchin recolheu informações que demonstraram que o menino era um "filho paternal" com grande responsabilidade pelos seus irmãos gêmeos de 4 anos de idade. Assim ele trabalhou para a reorganização da família, de modo que o de 10 anos pudesse ter a sua própria infância, livre da responsabilidade paternal.
Como esses exemplos mostram, as pressuposições podem alterar sutilmente as hierarquias, permitindo um cliente imaginar um futuro em que não seja refém do passado, ou reformular com humor a atitude de uma família preocupada com suas dificuldades. É impossível não usar pressuposições: cada frase que você proferir envia muitos sinais para os seus clientes sobre o que você implicitamente assume ser verdade.
Uma maneira simples de identificar pressuposições é negar uma frase e perceber o que ainda é verdadeiro. Tome esta frase: "É bom que você esteja disposto a se expressar". Quando negamos esta frase, temos: "Não é bom que você esteja disposto a se expressar." Apesar da negação, "você está disposto a se expressar" continua a ser tão verdadeiro como era na primeira frase.
As pessoas geralmente se concentram sobre o que elas podem concordar ou discordar, enquanto ignoram o que é pressuposto. Quando os ouvintes não percebem as pressuposições, as ideias inconscientemente amadurecem e os ouvintes as aceitam como se elas fossem verdadeiras, sem serem conscientes da mudança que ocorreu. Se nós transformarmos a declaração acima em uma pergunta: "Você acha que é bom ou ruim você estar disposto a se expressar?" – nós focamos a atenção do ouvinte mais fortemente sobre a escolha oferecida ao invés do pressuposto por trás da escolha.
As pressuposições que os terapeutas transmitem inconscientemente em sua primeira frase para um novo cliente podem definir o rumo para a terapia que segue. Muitos terapeutas começam perguntando: "como posso ajudá-lo?" Isso pressupõe que "eu posso ajudá-lo", uma relação complementar ajudante/ajudado. Esse é um tapete de boas-vindas para futura dependência e comportamento passivo.
Por outro lado, "que mudanças você quer alcançar hoje?" pressupõe que mudanças rápidas – plural – são possíveis, e também pressupõe que o cliente está no papel ativo: o cliente é aquele que quer e que consegue as mudanças, não o terapeuta. "Quais são os problemas no seu casamento?" direciona o casal para o passado em busca daquilo que não funcionou. Esse é um convite para a arqueologia sem fim, um retorno ao que a pioneira terapeuta de família Virginia Satir chamava de "o museu." No entanto, a pergunta: "que tipo de relacionamento você quer ter?", direciona os clientes a pensarem nos resultados desejados. A partir daí, é um pequeno passo para desenvolver maneiras específicas para atingir esses resultados e deixar o problema para trás. É incrível como as pressuposições podem influenciar poderosamente a terapia que segue. Muitas vezes, se a direção não é conveniente, o terapeuta irá mais tarde se queixar que o cliente estava resistente ou "passivo-agressivo", ou perceber que esse comportamento é uma reação previsível às próprias pressuposições do terapeuta sobre a terapia.
Quanto mais os terapeutas souberem como eles enviam essas mensagens, maior o poder e o impacto que cada palavra pode ter. Ao se sensibilizar às suas próprias pressuposições, os terapeutas podem reconhecer formas pelas quais eles têm reprimido seus clientes sem saber, e podem usar essa informação para mudar as pressuposições deles. Ouvir as pressuposições dos clientes aponta exatamente para aonde o pensamento deles é limitado e oferece uma direção para os terapeutas tomarem para tornar mais fácil para os clientes terem novas perspectivas e reações.
Pressuposições sobre o tempo são particularmente úteis. O tempo verbal de cada frase traz uma mensagem de tempo que pode ser um poderoso indicador de atitudes em relação a um problema e a possibilidade de mudança. Talvez uma esposa diga: "Nós sempre brigamos. É um problema terrível no nosso relacionamento." O uso do tempo presente, combinado com "sempre", indica que ela está pensando sobre o problema ocorrendo em todo o passado, o presente e o futuro. Do contrário, ela poderia ter dito: "Nós brigamos no sábado", o que teria limitado a sua percepção do problema a um passado limitado e contextualizado.
Minha resposta para a esposa pode ser: "Então, esse tem sido um problema terrível para você quando vocês se envolvem em brigas." Ao descrever o problema no passado, eu o deixo no passado, apesar de reconhecer que eu entendo o que ela disse. Então eu poderia começar a direcionar a sua atenção para o que ela quer no futuro — "E eu suponho que vocês dois queiram que as coisas sejam diferentes."
O uso do tempo verbal nessa troca é fundamental, porque a linguagem do tempo leva mensagens poderosas sobre se a mudança é possível ou não. A maioria das pessoas percebe o passado como fixo e imutável. Mas a maioria das pessoas pode ver mais alternativas e possibilidades no futuro, uma vez que ainda não aconteceu. A utilização cuidadosa das pressuposições de tempo pode limpar a mente delas para imaginar um futuro mais aberto.
Observe a diferença na sua própria experiência se você pensar em algum problema seu sem importância, e diga para si mesmo: "Isso é um problema, não é?"
Agora tente dizer: "Isso tem sido um problema, não é?" e fique atento ao seu senso de localização espacial interna do "problema" quando você faz isso. Se você prestar atenção às suas imagens internas, vai descobrir que a sua imagem do problema muda com cada frase.
A localização das imagens em seu campo de percepção interna influencia profundamente como você vai reagir a elas. Você pode achar que a imagem do "é um problema" está perto e grande, enquanto que a sua imagem do ''isso tem sido um problema" está mais longe, para o lado, e menor. Ambas as frases correspondem à sua experiência, mas a segunda leva o problema para fora do futuro e, literalmente, abre um espaço em sua mente para o novo comportamento de uma maneira sutil e profunda. Se você, como terapeuta, usa cada frase para comunicar que os problemas são improváveis de continuarem no futuro, e que as soluções são parte do futuro, você torna mais fácil para os seus clientes desenvolverem e avaliarem as soluções.
Muitos terapeutas ainda direcionam a sua atenção primária para o passado. Embora seja possível falar do passado de uma forma tal que coloque as pressuposições úteis no lugar, é muito mais fácil introduzir pressuposições de coisas sendo diferentes, melhores ou resolvidas no presente e no futuro. Mesmo um terapeuta brilhante opera com as duas mãos amarradas nas costas se ele se limitar a alterar as pressuposições sobre o passado.
Dado que o futuro ainda não aconteceu, ele é muito mais maleável. É o melhor lugar para começar a introduzir pressuposições sobre a mudança sem violar o senso de realidade do cliente. Se um cliente quer perder peso, por exemplo, eu poderia perguntar: "Que recursos você acha que irão permitir você perder peso facilmente?" "Qual será a primeira indicação de que você tem o que precisa para manter o seu peso desejado?" "Depois de atingir e manter o peso desejado, você acha que vai olhar para trás e achar estranho que esteve acima do peso, ou você acha que vai ter um sentimento de compreensão e compaixão para com o antigo você?" Uma vez que o cliente comece a pensar no resultado desejado como quase inevitável, torna-se muito mais fácil desenvolver intervenções específicas para alcançar o resultado desejado.
É fácil descobrir como as pressuposições funcionam: tudo o que é preciso é prestar mais atenção às suas próprias imagens internas. Tente o seguinte experimento: primeiro imagine-se "jantando em um restaurante." Depois imagine "discutindo uma proposta." Agora, observe a sua experiência interna de "vamos jantar em um restaurante antes de discutir uma proposta." Observe como as duas representações tornam-se facilmente ligadas juntas na sua mente.
Agora tente uma frase um pouco diferente: "Antes de discutirmos uma proposta, vamos jantar em um restaurante" e, novamente, preste muita atenção para o arranjo espacial das imagens na sua mente. Nesse caso, a primeira representação que você fez, "discutir uma proposta", se afasta para o seu campo visual periférico menos detalhado, a fim de fazer espaço para "jantar em um restaurante." Em cada caso, o resultado é o mesmo: a representação pressuposta torna-se correlacionada com a outra, mais consciente. O processo de chegar lá é um pouco diferente, devido à ordem diferente das duas sentenças.
Você pode continuar a experimentar com outras palavras relacionadas ao tempo, como antes, depois, durante, como, uma vez que, quando, prévio e enquanto. Todas essas palavras criam uma sequência pressuposta ou uma ligação entre experiências no tempo e uma experiência interna ligeiramente diferente.
Você pode aprender como gerar pressuposições ouvindo a sua própria linguagem e a dos outros e identificar as pressuposições. Uma análise detalhada das pressuposições pode ser encontrada na obra de Richard Bandler e John Grinder, os fundadores da Programação Neurolinguística. Em seu livro “The Patterns of the Hypnotic Techniques of Milton H. Erickson”, vol. 1, eles descrevem 29 tipos de pressuposições linguisticamente distintas.
Com a prática, gerar pressuposições úteis pode tornar-se uma parte automática do seu comportamento verbal. Visto que diferentes clientes reagem a certas pressuposições melhor do que outros, é útil ser capaz de gerar uma variedade de pressuposições.
Como as mensagens são entregues não verbalmente é pelo menos tão importante, se nada mais, do que o que é dito. Afinação, ritmo, tom de voz e volume, expressão facial, gestos, postura e contato ocular, todos afetam a forma como a mensagem é recebida. Por exemplo, as perguntas costumam terminar em uma elevação da entonação, enquanto as afirmações não. Ordens geralmente terminam com uma entonação decrescente. Se você perguntar: "Quanto você quer mudar?" e permitir que a sua voz decresça, a pergunta aparentemente assume o impacto de uma ordem, reforço do pressuposto de que "você quer mudar." Embora a maioria das pessoas reage fortemente a essa comunicação tonal, muito poucos a reconhecem conscientemente, e isso aumenta o seu impacto. Assinalando a frase que é pressuposta com um gesto ou uma mudança no tom de voz ou de volume também acrescenta impacto. Esses "comandos embutidos" eram uma parte explícita da obra de Milton Erickson. Virginia Satir também os utilizou largamente.
Você pode aprender melhor a expressividade não-verbal observando animais e crianças. Desde que sejam crianças que ainda não aprenderam a falar e os animais só reagirem ao tom, ritmo, volume e outras expressões não-verbais, comunicando-se com eles irá ajudá-lo a desenvolver habilidades não-verbais que você poderá então transferir aos seus contatos com os clientes.
Depois de ter aprendido a criar e transmitir uma pressuposição, é importante ser capaz de observar se ela teve o efeito desejado. Em última análise, o que conta não é a forma de quão engenhosa ela é, mas a forma como o cliente reage. Reações não-verbais normalmente irão dizer-lhe muito mais do que aquilo que é dito. Com a prática, você pode aprender a notar pequenas mudanças na postura do seu cliente, respiração, tônus muscular e da expressão facial que indicam o efeito.
Nunca subestime o poder potencial de uma pressuposição corretamente apoiada em seus clientes. Anos atrás, em um programa de televisão sobre crianças com câncer, eu vi uma fita de uma criança de 10 anos de idade, calva e magra. Eu não teria apostado um centavo em suas chances de recuperação. O terapeuta da criança perguntou-lhe de forma congruente: "Quanto tempo você acha que vai levar para ficar boa?" A criança levou um tempo pensando com cuidado e, em seguida, respondeu: "Cerca de seis meses."
Em seguida, o tempo disparou e foi mostrado um “seis meses mais tarde” onde a criança parecia feliz, saudável e totalmente recuperada. Eu não sei o quanto da recuperação da criança foi devido a outro tratamento que estava recebendo e quanto foi devido ao pressuposto de que ela iria ficar bem, mas tenho certeza que ajudou.
O artigo original "Embedding the Message" encontra-se no site de Steve Andreas.