José Carlos Mazzili - Pensamento sistêmico

‘O organismo em equilíbrio é um organismo morto’

Professor da Pós-Graduação em Medicina Comportamental e Terapias cognitivas-comportamentais do Instituto de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina (UNIFES), José Carlos Mazzilli é um dos principais nomes no Brasil quando se fala em pensamento sistêmico. Em entrevista à Interactius, o também coordenador de Especialização em Programação Neurolinguistica do IBEHE, acaba com o mito da homeostase (a busca dos seres por equilíbrio) e explica as diferenças entre o pensamento lógico-linear e o pensamento sistêmico.

Qual a diferença do pensamento lógico-linear e do pensamento sistêmico?

Mazzilli - Pensamento lógico-linear é unidirecional e excludente. Uma coisa é ou não é. Como é um tipo de pensamento que não acredita em contradições, então se você parte do pressuposto errado, todo o resto será errado (o pressuposto que não dá bom resultados). O pensamento lógico-linear deriva da análise. Como se você pegasse uma estrutura e a dividisse em partes, a fragmentasse - como a medicina faz, pega um órgão, o decompõe, estuda todas as partes desse órgão e a partir das partes forma o todo. O pensamento sistêmico é oposto. De acordo com esse pensamento, se você dividir o sistema em partes, você está destruindo o sistema, porque as partes não têm a qualidade do todo. O todo é consequência da relação das partes com o todo. No pensamento sistêmico você valoriza mais o todo do que as partes. É um pensamento que tem feedback, isso torna possível o sistema aprender com os seus erros. Já no linear isso não acontece, pois é uma linha continua de relação causa-efeito.

Como seria essa relação causa-efeito?

A principal característica é do pensamento lógico-linear é ser causal, onde a causa está sempre antes da consequência. O pensamento sistêmico não diz isso, diz que a causa vêm em função do relacionamento das partes. Por exemplo, no pensamento lógico-linear, quando um casal se separa existe sempre a pergunta: de quem foi a culpa? Na abordagem sistêmica não existe culpa, existe sim um resultado, um feedback do contexto. Não existe erro. Se em um cetro contexto você fizer uma ação e repetir o comportamento em outros contextos, você vai obter sempre o mesmo resultado. A pergunta no pensamento sistêmico não é qual é a causa, é sempre qual é o padrão, porque o padrão é como o indivíduo se acopla ao meio ambiente.

Como funcionam as aplicações desses pensamentos para a resolução de problemas de uma pessoa?

O pensamento lógico-linear possui uma postura de querer livrar-se dos problemas. Toda a base terapêutica neste pensamento é composta pelo profissional ajudar o paciente a se livrar do problema. Na abordagem sistêmica, diferentemente da lógico-linear, identifica-se o padrão, ensina-se o paciente a mudar o padrão, a mudar o sistema de pensamento. Ou seja, é uma terapia de aprendizagem, onde você prepara melhor o indivíduo. O resultado disto é que na abordagem sistêmica, por ser uma aprendizagem, se ensina uma nova postura ao paciente e ele consegue resolver ou enfrentar seus problemas.

Quais as diferentes percepções sobre o comportamento de uma pessoa, de acordo com os pensamentos sistêmicos e lógico-linear?

No caso do lógico-linear, tudo vem de fora, o paciente é colocado como uma vítima na circunstância, vítima da relação causa-efeito. Então, no caso do pensamento lógico-linear, o ser humano é produto do meio e ocorre muito o determinismo, ou seja, as coisas acontecem porque tem que acontecer. É basicamente uma transferência de responsabilidades. Você passa para outra pessoa a sua responsabilidade. Neste caso, o controle das emoções e do comportamento fica muito difícil, porque você não controla o meio ambiente, nem as pessoas. Então a pessoa neste tipo de pensamento, por muitas vezes se sente impotente. Todas as técnicas terapêuticas neste pensamento são de “evitamento” ou sobre como lidar com o inevitável. Para todo o problema existe uma causa básica que está no passado e ela que deve ser identificada. No caso da abordagem sistêmica não, a percepção é outra. O comportamento não é determinado por causas do passado, mas sim pela criação de expectativas que a pessoa tem a respeito do futuro, algo que se alcança ou não. Você tem que identificar os padrões que levam o indivíduo a perceber o mundo daquela forma, a maneira como ele cria idéias e estados emocionais que o levam a gerar determinados comportamentos.

E como a terapia então se encaixa em tudo isso? Como ela se encaixa com o pensamento sistêmico ?

A terapia consiste em quebrar o padrão. Todas as ferramentas da PNL são técnicas que quebram padrões. Para a ciência ainda usada atualmente, o ser humano é visto como passivo. Ele recebe impressões do meio ambiente que são levados para sua neurologia, como uma máquina fotográfica, que apenas registra o meio. Essa concepção não é mais aceita pela ciência moderna, porque senão todos os seres humanos reagiriam da mesma maneira. De acordo com a teoria sistêmica da cognição, de Humberto Maturana e Francisco Varella, que mudou completamente a postura do ser humano perante o meio ambiente, a percepção não deve ser vista como uma representação externa de uma realidade externa. Pelo contrário, a percepção é um organismo vivo sem especificar realidade através do processo de organização circular de seu sistema nervoso. Desse modo, o organismo se acopla estruturalmente com o meio ambiente como o seu próprio meio ambiente interno. São desses acoplamentos que surgem as representações mentais. É a Teoria da Auto-poiese. Os relacionamentos com o meio ambiente é que produzem os resultados. O indivíduo tem a parcela de responsabilidade em qualquer resultado que obtenha. Ele sempre contribui para ele.

Essa responsabilidade parte da escolha do indivíduo então?

Na abordagem sistêmica existe uma grande síntese sobre a vida, porque é uma teoria que é aplicável a todos os seres vivos. Todos os seres vivos têm três coisas fundamentais: a primeira é o padrão de organização, que é uma configuração de relações internas que determinam as características essenciais em um ser vivo. A segunda é a estrutura: a parte física do padrão de organização sistêmica. E a terceira é o processo vital: as atividades envolvidas na incorporação e manutenção do padrão de organização sistêmica.Isto significa que o sistema nervoso é auto-referente e tem uma organização circular e é por isso que as pessoas percebem de maneira diferente, porque eles selecionam do meio ambiente os atrativos a que se acoplam.

A repetição de padrões de comportamento é escolha do próprio indivíduo então?

Por exemplo, aquela pessoa que não importa qual o trabalho, o chefe é sempre ruim. Ou ainda aquela pessoa que sempre “arruma pessoas tranqueiras” para se relacionar? É ela mesma que seleciona, de acordo com a sua história pessoal, é um padrão inconsciente. É função do terapeuta descobrir esse padrão, para que o cliente possa ter novas percepções dele. O processo é a neurologia acoplando com os atrativos do meio ambiente. Por exemplo: pessoas que só procuram o negativo nunca se alinham para a conquista de seus objetivos, pois elas se afastam sempre do que consideram ser potencialmente perigoso.

E como uma pessoa deve agir para conquistar o equilíbrio?

Esse é outro grande mito, o da homeostase, onde o organismo sempre procura o equilíbrio. Na verdade isso não acontece, o organismo em equilíbrio é um organismo morto. Toda vez que você respira, você provoca uma revolução interna no seu corpo. A cada pensamento, a cada percepção, você muda as configurações dos elementos cognitivos. Não existe equilíbrio, todo organismo vivo opera afastado do equilíbrio. E mais, quanto mais afastado do equilíbrio, mais criativo o indivíduo fica, pois procura alternativas. Isto está provado através de experiências.

Os Sete Padrões de Acoplamento Estruturais

Como o indivíduo esta direcionado? Mais para o meio ambiente interno ou externo: extroversão ou introversão.

Há pessoas que são pouco perceptivas, falam de maneira superficial sobre o que viram, por exemplo. Escolhem um atrativo nas informações e já se acopla com o meio ambiente interno. Essas pessoas não tem capacidade de percepção.

Motivação e convencimento. Como o indivíduo se convence de algo?

Tem pessoas que acreditam mais no que veem, no que ouvem ou no que sentem (cheiro, tato, etc). Ou seja, algumas acreditam e se convencem por Imagens, outras por argumentos e outras por sensações.

Modo como a pessoa abstrai: ela pode abstrair de modo difuso ou seletivo ou fazer combinações.

Exemplo: a pessoa que tem o filtro difuso ou o padrão difuso de pensar, é uma pessoa que se contenta com poucas informações. Já o seletivo é aquele que solicita detalhes e pormenores. “Você percebe aqui a confusão que isso pode provocar em relacionamentos de pessoas que abstraem de formas diferentes. Por exemplo, a filha liga para o pai e diz que vai a uma festa. Ele pergunta a hora em que ela vai chegar, ela responde e eles desligam o telefone. Então, a mãe pergunta para o pai outros detalhes, do tipo: com quem ela está, onde é a festa, etc. Como o pai não sabe, a mãe diz que ele não está interessado nas duas, nem em filha e em nem em mãe.”

Metas e objetivos: quais são os padrões?

Algumas pessoas querem sempre evitar a dor, outras estão mais direcionadas para o prazer e outras usam combinações das duas coisas (essas são mais contextuais). Por exemplo: pessoas que falam que é melhor prevenir do que remediar. Para elas a vida pode se tornar muito chata, porque o objetivo não é algo que ela busca. Na verdade, ela procura se afastar do que é potencialmente perigoso, então suas expectativas para o futuro são negativas. Em geral são pessoas tensas e ansiosas. Já as pessoas que são mais voltadas para o prazer buscam mais o objetivo que desejam conquistar e, portanto, sabem o que quer.

Posições perceptivas:

A primeira posição é de pessoas que estão absolutamente centradas em si mesma. Percebem tudo em relação a elas mesmas (egocêntricos). São incapazes de se colocar na posição da outra pessoa. A segunda são os dissociados. Conseguem colocar-se na posição da outra pessoa.
A terceira posição é a do observador neutro. Aquele que consegue se imaginar conversando com a outra pessoa para saber se está agradando ou para atingir seu objetivo.

O padrão para satisfação das necessidades interpessoais.

Este item é FUNDAMENTAL. Nós temos três necessidades básicas: a inclusão, que significa se sentir importante e significativo. Esse sentimento de inclusão é desenvolvido de 0 a 2 anos de idade, de acordo com Will Schutz. O bebê de 0 a 2 tem que ter carinho, sentir o toque, é assim que ele percebe se é bem-vindo ou não e se pertence ou não à família. Quando ele não se sente significante, importante, ele não se sente merecedor do mérito-próprio. As pessoas que não se sentem incluídas são vitimas fáceis de drogas, por exemplo. Fazem de tudo para poder participar de um grupo. Pode ser também aquele bonzinho que não sabe dizer não. Ou ainda aquele tipo de pessoa que se afasta, porque não quer que vejam a sua insignificância. É o ser subsocial, aquele não tem amigos no intervalo da aula ou não tem amizades. O contrário dele é o supersocial: o famoso arroz de festa. Ele está em todas, mas no fundo tem o mesmo sentimento do que se isola, do subsocial: se acha sem mérito e se mostra muito sociável por se sentir insignificante. Então, o sentimento da Inclusão é ter mérito ou não.

A segunda necessidade básica é a necessidade de controle: o sentimento de ser competente. Aqui existem dois tipos: o abdicrata, que é aquele que abdicou de todo o controle e gosta de ser controlado; e o autocrata, que é o ditador, o que quer controlar tudo, o perfeccionista. Existe ainda o democrata, aquele que sabe onde controlar e onde ser controlado. Esse sentimento é construído dos 2 aos 4 anos. É nessa fase que a criança mostra o quanto ela obedece, o quanto ela ocupa o seu espaço dentro da casa. O indício de algo errado é posterior: pessoas que demoraram muito para parar a diurese noturna (urinavam na cama). O sentimento de controle é ter respeito próprio ou não.

A terceira necessidade e a de afeto, construída dos 4 aos seis anos: esta é a fase em que acontece a vida particular da criança, onde ela seleciona seus amigos e confidentes. Está baseada na intimidade ou na falta dela. Isso pode acarretar na pessoa que tem dificuldade em gerar intimidade: ela não se acha com potencial para amar e ser amada. Aqui temos o tipo subpessoal, que não se envolve com ninguém-solitário; e o superpessoal, aquele que namora muito, mas não se envolve, não tem afeto verdadeiro. O sentimento da autoestima deriva do afeto, ser amada ou não.

Orientação temporal:

As pessoas que vivem no passado. As pessoas que começa, “no meu tempo” “antigamente”. Procuram causas da sua situação no seu passado, se vestem de maneira conservadora, etc. Como vivem no passado e o passado para elas é concreto, projetam para o futuro o passado. Quando você projeta, você faz a coisa acontecer, neste caso você repete o passado no futuro. Quando você pensa naquilo que não quer, você vai obter aquilo. O sistema funciona de acordo com as suas expectativas a respeito do futuro. Se as expectativas são negativas, é aquilo que se vai alcançar.

Fonte: José Carlos Mazzilli - Revista InterActius - Edição N° 5