Virginia Satir teria sido uma boa gerente?

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ter, 18/09/2001

Imagine... o chefe de uma das 500 maiores companhias da revista Fortune negociando uma fusão com um terrível concorrente, enquanto tenta, ao mesmo tempo, apaziguar os acionistas, preocupados com o impacto que isso poderá ter sobre o preço das ações. Imagine que esse executivo altamente poderoso seja Virginia Satir.

Imagine... o Gerente Geral de uma divisão pouco produtiva daquela companhia, recentemente contratado para recuperar e salvar essa divisão obsoleta, cujos empregados sabem que os resultados significarão mudanças drásticas e demissões severas. Imagine que esse gerente duro e intransigente seja Milton Erickson.

Imagine... o chefe de Recursos Humanos desenvolvendo uma nova política de combate às drogas, enfrentando a perda potencial de 30% dos empregados existentes de um dia para o outro, e ao mesmo tempo sendo responsável pela não interrupção das operações de treinamento e novos empregos. Imagine que esse guru de pessoal seja Richard Bandler.

O simples fato de que a PNL é grande em muitas coisas, não significa que ela seja exatamente o que um administrador necessita, em todas as circunstâncias. Como muitos de nós, eu gostaria de dizer que a PNL é perfeita para todas as ocasiões; contudo, chega um momento em que um bom gerente também necessita ser realista a respeito das forças e fraquezas de seus recursos.

Virginia Satir teria sido uma boa administradora? Na verdade, não tenho muitas informações sobre sua capacidade ou experiência administrativa, contudo espero que uma coisa fique bem clara: os especialistas em PNL não são necessariamente especialistas em administração. Creio que tenho algumas razões para afirmar isso.

Muita gente diria que Bandler e Grinder demonstraram muita coragem, ou algo semelhante, quando disseram à comunidade terapêutica que possuíam um novo caminho. Eles admitem livremente que não estavam qualificados no campo da terapia quando começaram, mas também empregaram muito tempo, pesquisa e esforço para conhecer esse campo. Eles foram os pioneiros da metodologia da PNL chamada Modelagem, através do estudo detalhado sobre os excelentes realizadores nesse campo. Eles demonstraram sua eficiência em situações terapêuticas muito antes de assumirem a posição de consultores nessa área.

Assim, quando um Trainer em PNL afirma hoje, perante uma comunidade de administradores, que ele (ou ela) possui um método melhor, eu perguntaria: "Como você sabe disso?" A pergunta que todos nós podemos fazer a nós mesmos é "O que nos faz pensar que a PNL também funciona nos negócios e, especialmente, nos contextos de gerenciamento?" Já nos demos o tempo de modelar os especialistas nesse campo, e depois fazer o tipo de pesquisa de detalhes e modelagem que foram feitas no campo terapêutico?

Eu tenho mais de quinze anos de experiência em administração, nove dos quais usando a PNL diariamente. Após estudar PNL, eu me tornei um gerente muito melhor do que era antes. Mas, ao mesmo tempo, muito do que eu aprendi tem sido difícil ou impossível de aplicar no novo contexto. Às vezes, algumas coisas têm até sido prejudiciais. Durante todos os nove anos em que tenho estudado e usado a PNL com sucesso no gerenciamento, venho continuamente desafiando a viabilidade da PNL em contextos de gerenciamento.

Eu acredito que é importante fazer esses desafios, porque também observo que a PNL ainda não avançou muito na comunidade gerencial Americana. Tenho ouvido grandes pretensões, mas os profissionais do campo não a estão comprando (literalmente ou em sentido figurado). Existem mais de 30.000 profissionais de Relações Humanas certificados somente nos Estados Unidos, e jamais vi menção da PNL por qualquer jornal ou material de referência nessa área. Consideremos o fato de que se somente 10% de todos os profissionais de RH fizessem o treinamento practitioner, o tamanho da comunidade de PNL seria dobrado! Se eles persuadissem seus gerentes a fazer esse mesmo treinamento, o crescimento da PNL seria de cinco, dez e até vinte vezes!

Se a PNL quiser vicejar e crescer fora do ambiente terapêutico e de auto-ajuda, acho que é importante nos prepararmos para fazer a nós mesmos algumas perguntas difíceis.

Naturalmente, essas perguntas difíceis não poderão ser respondidas com respostas simplistas; contudo, podemos dar uma olhada naquilo que essas respostas poderão conter. Por exemplo, acho importante distinguir entre mudança pessoal (mudança dirigida para o interior) e mudança em gerenciamento (mudança dirigida para o exterior).

A mudança pessoal, ou mudança dirigida para o interior pode, sem dúvida, ajudar o indivíduo a alcançar melhores resultados na maioria das áreas de sua vida, inclusive em gerenciamento. E, também, sem dúvida, a PNL pode ajudar uma pessoa a realizar mudanças pessoais. Acredito firmemente que Satir, Erickson, Bandler, e os muitos outros contribuintes fundamentais no campo da PNL teriam sido muito bons em realizar, ou facilitar, a mudança pessoal necessária para se tornarem excelentes gerentes. As técnicas da PNL são muito boas para ajudar as pessoas a superar assuntos como o medo de fracassar, o ressentimento de figuras de autoridade, a hesitação em transmitir ordens, e assim por diante.

A mudança no gerenciamento, ou mudança dirigida para o exterior, pode ser um pouco mais complicada do que a mudança pessoal. Eventualmente, Satir poderia ser capaz de tornar-se uma executiva com muito poder, assumindo uma Wall Street hostil, mas duvido que ela pudesse ter feito isso de um dia para o outro. No mínimo, ela teria que aprender algumas habilidades. Os gerentes mais bem sucedidos levam anos para aprender essas habilidades.

Algumas técnicas da PNL, tais como modelos de rapport, podem ser diretamente aplicáveis a certas situações de negócios. Contudo, muitas técnicas de PNL não são apropriadas em contextos que exigem a intervenção gerencial. Tenho visto muitos gerentes excelentes, mas não vi nenhum que tenha administrado seu grupo fazendo-os andar em sua linha do tempo... ou fazendo técnicas swish... ou conduzindo-os numa meditação dirigida. Essas não são exatamente o tipo de habilidades que os gerentes excelentes estão usando naturalmente pelo mundo afora. Essas habilidades não foram modeladas a partir de gerentes excelentes. Elas foram modeladas, e extrapoladas, de excelentes terapeutas. Essa mudança de contexto, acredito, é muito importante e deve ser levada em consideração.

Na teoria, a PNL não é somente um conjunto de informações, mas é, também, um processo sistemático que nos permite decodificar a excelência e determinar de que maneira ela é formada, para depois reaplicá-la.

Para mim, o processo conceitual de modelagem, e particularmente os pensamentos de Gregory Bateson sobre metacomunicação, têm sido as partes mais úteis da PNL no gerenciamento dirigido para o exterior. A modelagem requer uma metaperspectiva, e uma observação aguda do processo. Como Gregory Bateson tão brilhantemente apontou (em Steps to an Ecology of Mind, livremente citado aqui) a metacomunicação trata de relações; os humanos usam informações específicas ("Esta palestra é sobre a anatomia dos sapos...") para passar informações sobre relações ("Vocês devem respeitar-me...").

Semelhantemente à modelagem, o bom gerenciamento também requer uma metaperspectiva e um processo agudo de observação. Nos contextos de gerenciamento, a metacomunicação (geralmente denominada como "política" na cultura empresarial dos Estados Unidos) é muito mais importante do que a comunicação específica.

Da mesma forma, eu considero a base conceitual suporte do Metamodelo e dos Pressupostos como ferramentas sem valor para o gerenciamento, ainda que não usadas da mesma maneira como são usadas em terapia. É aqui que precisamos fazer a diferença entre o processo e a metodologia da PNL, e a sua trilha de técnicas. Conceitualmente, o Metamodelo e os Pressupostos nos dão informações sobre a metacomunicação. Quando um gerente diz: "Essa é uma idéia interessante, mas nós não vamos fazer dessa maneira," há uma metacomunicação relativa à estrutura de poder. Poderíamos perguntar: "de acordo com quem ela é uma idéia interessante?", mas a resposta é óbvia. Contudo, simplesmente por notar o fato de que aí há uma "violação" do Metamodelo, somos conduzidos a ver o pressuposto de que esse gerente se sente qualificado para julgar o mérito das idéias dos outros. Isso diz respeito à estrutura de poder. De maneira semelhante, a frase "nós não vamos fazer dessa maneira" poderia gerar a pergunta: "de acordo com quem?" que, mais uma vez, não seria útil. Em vez disso, a violação óbvia da "boa formulação" poderia conduzir-nos a ver muito claramente a estrutura de poder inerente, que a frase busca apoiar.

O Metamodelo, como é apresentado originalmente, oferece ao terapeuta um processo sistemático para ganhar condições de boa formulação em terapia. Neste caso, o Metamodelo é uma técnica. No entretanto, os processos conceituais identificados pelos padrões de Metamodelo relacionam-se a estrutura e processo, e são ferramentas úteis que podemos usar no processo de modelagem.

Se um gerente procura usar o Metamodelo como uma técnica (i.e., eliciar uma representação bem formulada da expressão), ele é tentado a buscar a Estrutura Profunda da comunicação do outro empregado. Isto, infelizmente, ajuda apenas em algumas circunstâncias, tais como a coleta de informações altamente específicas.

Se, no entanto, o gerente usar o Metamodelo como um indicador do processo, ou metacomunicação, então sua capacidade de responder à metacomunicação é grandemente melhorada.

Quando o Metamodelo é ensinado rotineiramente, ele traz consigo muitas pressuposições inerentes à terapia, especialmente a de que o cliente deseja mudança e/ou tem alguma limitação. No entretanto, em outros contextos, tais como no gerenciamento, essas pressuposições podem não ser válidas. Certamente, existem algumas pressuposições relativas à permissão de intervir, que são distintamente diferentes em situações de cliente versus situações de colegas de trabalho. Eu não tenho visto muitos gerentes em situações empresariais pedirem um ao outro que façam mudanças pessoais de trabalho!

Além disso, um dos "Pressupostos da PNL" ensinados rotineiramente é o de que as pessoas possuem todos os recursos de que precisam para ter sucesso. Ao realizar mudanças pessoais, esse pode ser um pressuposto útil; contudo, pode não o ser num ambiente onde a maioria das mudanças é feita com a assistência da tecnologia e de consultores profissionais. De modo semelhante, o pressuposto que nos pede para respeitar o modelo de mundo de outra pessoa pode ser vital quando facilita o processo de mudança de outra pessoa, mas pode ir contra alguns dos pressupostos que são aplicados por líderes fortes e eficientes em seu trabalho diário.

Quando o Metamodelo é ensinado dentro dos padrões desses pressupostos, geralmente nos conduz a deduzir a Estrutura Profunda, e a desejar um resultado bem formulado. No entanto, nos contextos gerenciais, eu creio que o Metamodelo é muito mais útil em sua estrutura teórica, como ferramenta para identificar os processos de pensamento de outra pessoa, i.e., identificar os processos de deleção, distorção e generalização. Na essência, pode ser uma ferramenta valiosa no exame da metacomunicação. Por exemplo, em reuniões de gerentes, é óbvio que eu não aponte as "violações" de Metamodelo dos outros, mas tenho tido excelente sucesso ao procurar as metaintenções que estão por detrás daqueles padrões verbais. Uma coisa é notar que um chefe faz uso da leitura mental, outra coisa é determinar indutivamente sua metaintenção representada por aqueles padrões verbais. Se alguém faz uma observação condescendente, o Metamodelo pode levar-me a questionar sua lógica, mas não adianta tentar abordar a metacomunicação de demonstração de poder!

Na maioria dos contextos gerenciais, os intercâmbios e a política giram em torno de poder, influência, aceitação, etc. As metaintenções não são encobertas pelos processos-padrões da PNL.

Naturalmente, os exemplos são virtualmente infinitos; mas o quadro geral continua o mesmo: enquanto as técnicas-padrões da PNL podem não ser apropriadas para situações de gerenciamento dirigidas para o exterior, a metodologia da PNL pode ser extremamente útil para um gerente.

Para a excelência do gerenciamento, são obtidos resultados magníficos por aqueles que lidam com metapadrões e metacomunicação. Cada gerente de sucesso com quem tenho trabalhado, mostra uma extraordinária aptidão e maestria nesses processos intuitivos. Raramente observei algum gerente de sucesso fazendo questionamentos de Metamodelo. Os processos envolvidos parecem ser semelhantes; no entanto, a mudança de contexto, creio eu, é muito significativa.

A PNL funciona no gerenciamento? Sim, e sei que isso é verdade. No entanto, ela funciona da mesma maneira como na terapia e na auto-ajuda? Devo argumentar que não – muita coisa precisará ser significativamente adaptada ao novo contexto.

Virgínia Satir teria sido uma boa administradora? Bem, eu não a contrataria para dirigir minha companhia... mas certamente valorizaria seus serviços em ajudar meus gerentes a se tornarem o melhor que possam ser!

Publicado na Anchor Point de fevereiro de 1999 
Publicado no Golfinho Impresso Nº51 - Abr/99 
Trad. Hélia Cadore

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