Vivendo com Crianças de Maneira Cooperativa 2ª parte

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ter, 15/04/2003

Na primeira parte deste artigo, analisamos a maneira como os pais podem ajudar seus filhos, reconhecendo suas tristezas, ressignificando seus problemas para transformá-los em desafios úteis, e levando-os a encontrar suas próprias soluções. A seguir, vamos analisar de que maneira podemos responder a situações em que os pais estão preocupados com o comportamento de seus filhos.

Diferentes habilidades para situações diferentes

Nossa experiência, bem como a pesquisa realizada por educadores especializados em relacionamentos familiares, como Thomas Gordon (1970, 1989), mostram que nas situações em que meus resultados básicos não são alcançados, as diferentes respostas verbais são bem sucedidas, sendo úteis na medida em que os resultados de outra pessoa (como meu filho) também não são alcançados. Isso enfatiza a importância de descobrir, em primeiro lugar, quem tem qual objetivo.

Crianças ansiosas, preocupadas, ressentidas, frustradas, iradas, medrosas ou infelizes de qualquer maneira (temporária, específica, situacional) têm dificuldade em alcançar seus objetivos. As habilidades próprias para um pai usar nessa situação são aquelas que abrangem o rapport (enquadrar-se no comportamento da criança, reconhecer suas preocupações, e ouvir). Incluem, também, habilidades verbais que ajudam a criança a esclarecer qual é o seu objetivo e a criar suas próprias soluções com segurança. Conselho, crítica, sermão, interrogatório, reafirmação e outras "habilidades paternas", que podem ser seguras em situações em que todos estão felizes com seus resultados, não são respostas apropriadas quando a outra pessoa dá sinais de que "tem um problema". As duas habilidades verbais mais eficazes nesta situação são: fazer um questionamento que leve ao esclarecimento do problema (ex.: "Isso realmente dói!" "Então o problema que você está enfrentando é... " "Você quer...") e fazer perguntas focalizadas nas soluções (ex.: "O que significa, para você, solucionar esse problema?" "Vamos descobrir o que precisa ser feito de maneira diferente aqui?").

Por outro lado, quando nós, como pais, estamos irritados, preocupados, ressentidos, frustrados, irados, com medo, ou de qualquer forma não atingindo nossos objetivos básicos, nós também "temos um problema". Isso não significa que seja "nossa culpa"- mas simplesmente que quem tem de mudar alguma coisa somos nós. Quando meu problema é com algum assunto não relacionado com outros membros da família, eu uso minhas próprias habilidades de geração de soluções para resolvê-lo. Mas quando meu problema é relacionado a um comportamento de um filho, é claro que devo comunicá-lo a ele, de alguma maneira. Conselhos, crítica colocando a culpa nele, sermão, interrogatório e habilidades semelhantes não são, mais uma vez, eficazes. A habilidade verbal mais útil, quando o problema é meu, consiste em descrevê-lo claramente. Fazendo isso, transmito à criança informações sobre o comportamento sensorial específico que gerou o problema, mais do que minha teoria sobre suas intenções internas ou meu julgamento sobre tal comportamento. Ao invés de dizer: "Você não cumpriu nosso trato", digamos algo mais específico, como: "Esta manhã, você acordou meia hora depois do horário que tínhamos combinado." Podemos também falar-lhe sobre o efeito concreto que esse comportamento tem sobre nós, e sobre a natureza do estado indesejável em que nos encontramos. Nesse caso, a comunicação será uma mensagem do "eu", usando uma forma como: "Eu tenho um problema, e gostaria que me ajudasse. Quando... o efeito sobre mim é / foi... e eu sinto / senti..." (Por exemplo, "Eu tenho um problema, e gostaria que me ajudasse. Quando você se levantou meia hora mais tarde, esta manhã, eu tive que fazer uma porção de coisas a mais para que você não se atrasasse na escola. Eu não gosto dessa sensação de correria.").

Esta maneira de pensar sobre os eventos termina com a ideia de que as crianças se comportam mal. Dizer que as ações de uma criança são um ‘mau comportamento’ é simplesmente uma maneira de dizer que ela não atende os objetivos de seus pais. Essa é uma avaliação que fala dos objetivos dos pais, mas nem sequer menciona os objetivos dos filhos. Quando os pais começam a pensar em termos das necessidades básicas dos outros, de seus problemas, ou de seus objetivos, eles ficam menos interessados em avaliar as ações das crianças como "boas" ou "más", e mais interessados em encontrar soluções que sirvam tanto para os pais como para os filhos.

Dois passos

Na vida real, os problemas estão ora com uma pessoa, ora com outra. Ao ajudar uma criança a resolver seu problema de montagem de blocos, eu posso descobrir que ela tem valores e atitudes em relação à minha tarefa de cozinhar, dos quais eu me ressinto profundamente. Eu preciso monitorar a situação, para identificar a hora de passar do ouvir para o falar, para transmitir minha mensagem de "eu".

Certamente, se eu der uma mensagem "eu", a criança que a recebe poderá sentir-se desconfortável com isso; pode até experimentar raiva, humilhação, ou insulto. Portanto, antes de enviar ou de explicar novamente minha mensagem "eu", é necessário que eu responda a esse novo problema da criança (ex.: seu embaraço diante de minha mensagem "eu"), ouvindo o que ela tem a dizer. Faço isso até que a criança indique que se sente compreendida (geralmente fazendo que sim com a cabeça). Então, estaremos novamente em rapport, para que eu possa dar um mensagem "eu" revisada. O resultado é uma espécie de "dança" de "dois passos". Exemplo:

Mãe: "Eu quero falar sobre uma coisa, Johnny. Eu notei que você foi deitar-se uma hora mais tarde ontem à noite, e levantou-se meia hora atrasado esta manhã. Isso provocou uma correria hoje, a fim de que você não se atrasasse para a escola. Eu não gosto dessa sensação de correria." (A mãe descreve seu problema com uma mensagem "eu").

Filho: "Eu acho que não me atrasei muito hoje de manhã. Eu ainda consegui tomar meu café." (A criança indica que tem uma problema, agora, por ouvir a mensagem "eu").

Mãe: "Você acha que fez tudo. Você não sabia que isso foi um problema?" (audição reflexiva).

Filho: Faz que sim com a cabeça (sente-se compreendido e volta ao rapport).

Mãe: "Bem, mas isso fez diferença para mim. Eu tive que fazer coisas como arrumar sua cama e aprontar seu café, e isso dentro de pouco tempo. Foi um trabalho duro."( enviando novamente uma mensagem "eu" modificada).

Filho: "Ah, eu simplesmente me esqueci da hora ontem a noite. Eu estava cansado hoje de manhã. Da próxima vez, vou ter mais cuidado." (problema resolvido. Os objetivos de ambos foram alcançados.)

Neste caso, o resultado dos Dois Passos é a concordância da criança em mudar. Muitos problemas de pais com seus filhos podem ser solucionados dessa maneira simples. No entanto, como os pais sabem, pode haver outro tipo de situação. Uma é que a criança pode ter algum problema de maior prioridade para ela, que a leva a ter esse comportamento que os pais desejam mudar. Isso cria um conflito de necessidades e objetivos, que exige uma procura de solução satisfatória para ambos. Exemplo:

Mãe: "Eu quero falar sobre uma coisa, Johnny. Eu notei que você foi deitar-se uma hora mais tarde ontem à noite, e levantou-se meia hora atrasado esta manhã. Isso provocou uma correria hoje, a fim de que você não se atrasasse para a escola. Eu não gosto dessa sensação de correria." (A mãe descreve seu problema com uma mensagem "eu").

Filho: "Eu acho que não me atrasei muito hoje de manhã. Eu ainda consegui tomar meu café." (A criança indica que tem uma problema, agora, por ouvir a mensagem "eu").

Mãe: "Você acha que fez tudo. Você não sabia que isso foi um problema?" (audição reflexiva).

Filho: Faz que sim com a cabeça (sente-se compreendido e volta ao rapport).

Mãe: "Bem, mas isso fez diferença para mim. Eu tive que fazer coisas como arrumar sua cama e aprontar seu café, e isso dentro de pouco tempo. Foi um trabalho duro."( enviando novamente uma mensagem "eu" modificada).

Filho: "Ah... eu simplesmente me esqueci da hora ontem à noite. O filme estava tão bom! Eu adoro ver esses filmes."

Mãe: "Bem, a correria de manhã é um problema. Eu gostaria de encontrar uma maneira de tornar isso mais fácil para mim e, ao mesmo tempo, garantir que você veja esses bons filmes." (enviando uma mensagem "eu" modificada).

Filho: "Por que nós não ... " (procura uma solução ganha-ganha).

Um terceiro resultado possível dos Dois Passos é a criança não acreditar que seu comportamento afeta concretamente sua mãe. Neste caso, a criança perceberá a mãe como tentando coagi-lo a seguir seus próprios valores e características pessoais. Trata-se de um conflito de valores. Por exemplo:

Mãe: "Eu quero falar sobre uma coisa, Johnny. Eu notei que você foi deitar-se uma hora mais tarde ontem à noite, e levantou-se meia hora atrasado esta manhã. Isso provocou uma correria hoje, a fim de que você não se atrasasse para a escola. Eu não gosto dessa sensação de correria." (A mãe descreve seu problema com uma mensagem "eu").

Filho: "Eu acho que não me atrasei muito hoje de manhã. Eu ainda consegui tomar meu café." (A criança indica que tem uma problema, agora, por ouvir a mensagem "eu").

Mãe: "Você acha que fez tudo. Você não sabia que isso foi um problema?" (audição reflexiva).

Filho: Faz que sim com a cabeça (sente-se compreendido e volta ao rapport).

Mãe: "Bem, mas isso fez diferença para mim. Eu tive que fazer coisas como arrumar sua cama e aprontar seu café, e isso dentro de pouco tempo. Foi um trabalho duro."( enviando novamente uma mensagem "eu" modificada).

Filho: "Prá que fazer minha cama? E por que tenho que tomar café? Eu não sinto fome! O pai nem sempre toma café."

Mãe: "Bem, eu tenho uma opinião diferente sobre o que pode acontecer se você não tomar café. Podemos falar sobre isso agora?" (enviando novamente uma mensagem "eu" e pedindo permissão para influenciar os valores do filho).

Filho: "Acho que sim. Quero dizer, eu não sinto fome antes do almoço. E o café é chato! ..."(mãe e filho estão num processo de influência mútua de valores).

O processo ganha-ganha

Quando um pai e um filho têm objetivos básicos conflitantes, o uso da mensagem "eu" e a audição reflexiva ajudam a esclarecer isso sem culpa. O pai pode, então, conduzir a resolução do problema para encontrar uma solução que atenda às expectativas mútuas. Pode-se pensar sobre isso como um processo de sete passos:

Coloque a situação como um problema a ser resolvido em cooperação.

Defina a necessidade ou objetivo básico de cada pessoa (aquilo que impulsiona suas ações).

  1. Fazendo um brainstorming, busque soluções que atendam os objetivos básicos de cada um.
  2. Avalie essas soluções para descobrir se elas atendem bem tais objetivos.
  3. Escolha as melhores soluções.
  4. Planeje e aja sobre as soluções escolhidas.
  5. Verifique como essas soluções funcionam.

Definir o problema em termos de necessidades ou objetivos básicos é extremamente importante para este trabalho. Como pais, nossa tentação é de adivinhar os objetivos dos filhos. Estando sob pressão, podemos até presumir que o objetivo básico deles é o de contrariar-nos ou de forçar-nos a fazer o que eles querem. Contudo, em termos de PNL, sabemos que todo comportamento resulta da tentativa da pessoa de criar um estado mais positivo para si própria. Uma vez que entendamos como ela está tentando alcançar esse estado positivo, fica fácil descobrir maneiras de ajudá-la, ao mesmo tempo em que nós alcançamos os nossos próprios objetivos. Através da técnica de ouvir reflexivamente, podemos ajudar os filhos (e outras pessoas) a esclarecer suas necessidades mais fundamentais, ao invés de simplesmente adotar a primeira solução que eles apresentem, como meio para atingi-las.

Usando o método com crianças muito jovens

Alfie Kohn (1996, p. 8) cita uma comparação de estudos de pesquisa feita pelo U.S. National Institute of Mental Health, mostrando que "até mesmo crianças de dois anos possuem: a) capacidade de interpretar os estados físicos e psicológicos dos outros, b) a capacidade emocional de experimentar afetivamente o estado do outro, e c) o repertório comportamental que permite a possibilidade de tentar aliviar o desconforto dos outros. Essas são as capacidades que, acreditamos, estão na base do comportamento de cuidado das crianças diante do sofrimento dos outros." Esta foi uma experiência que tivemos com nossos próprios filhos.

Contudo, uma criança menor de três anos precisará, no mínimo, ser orientada no processo ganha-ganha. Uma criança muito pequena não pode ser consultada verbalmente sobre suas necessidades. Contudo, os pais habilidosos usam o método ganha-ganha, checando as dicas não verbais das necessidades básicas de seus filhos, a fim de atendê-las e, ao mesmo tempo, realizar os seus próprios objetivos (Solter, 1990, pp.160-196). Uma mãe que encontra seu filho riscando a parede com craions pode, por exemplo, colocar algumas folhas grandes de papel numa determinada parede. O pai cujo filho chora e quer muitas coisas durante as compras de supermercado pode, por exemplo, dar à criança a tarefa de pegar os itens escolhidos por ele, ou escolher qual de dois itens semelhantes colocar no carrinho.

Influenciando Valores

Em toda discordância há um conflito de valores, quando a criança não acredita que seu comportamento afeta concretamente os pais (ex.: se o pai lhe pede para usar uma "linguagem mais respeitosa"), ou quando os pais não acreditam que seu comportamento afeta concretamente a criança (ex.: se uma criança não quer que o pai a abrace diante de seus amigos, e o pai acha que isso não tem importância). Tais conflitos operam naquilo que a PNL chamaria de "nível neurológico mais profundo". Como pais, em tais situações, podemos influenciar não apenas o comportamento da criança, mas também seus valores e crenças mais básicos.

O uso do poder coercitivo não é mais eficaz aqui do que nos conflitos de objetivos básicos. E, ainda, há algumas situações em que podemos decidir que nosso valor é tão importante a ponto de não podermos negociar. Por exemplo, uma criança que ataca outra com uma vara pode não estar atingindo concretamente a mim, mas com certeza eu tenho que interrompê-la. Uma criança que insulta pessoas de outras etnias pode não estar me dando um trabalho extra ou gastando meu dinheiro, mas não posso ignorar simplesmente esse comportamento e esperar que mude. Uma criança que se recusa a ir ao dentista para um checkup pode estar convencida de que isso não me diz respeito, mas eu provavelmente terei que encontrar alguma maneira de levá-la.

O que devemos compreender é que quando insistimos para que a criança mude esses comportamentos, não influenciamos realmente os seus valores. Ela pode parar de bater na outra criança, mas encontrar alguma forma diferente de agredir quando eu não estiver por perto. Ela pode detestar ainda mais as pessoas de outros grupos étnicos se for proibida de insultá-los na minha presença. Ela pode continuar convencida de que os dentistas são um terror para as crianças. Assim, nos conflitos de valores nosso interesse é realmente influenciar os valores da outra pessoa, mais do que meramente controlar seu comportamento. Pense em alguém que tenha influenciado seus próprios valores e comportamento (talvez o escritor de um livro que você leu, ou alguém que lhe ministrou um curso). É provável que eles tenham tido sucesso por meio de uma combinação das seguintes três habilidades: Valores partilhados, modelagem e consultoria.

  1. Identificar os valores que a criança partilha com os nossos, e construir outros sobre essa realidade. A criança que bate em outra criança pode estar desejando que esta brinque de uma maneira mais "correta", por exemplo, e pode apreciar uma oferta de auxílio para conseguir isso com mais sucesso, deixando-me orientá-la no processo ganha-ganha. A criança que insulta outros pode valorizar o sentido de identidade de seu próprio grupo, apreciando comemorar essa realidade de uma maneira que conduza gradualmente ao respeito por outros grupos étnicos. Você quer convencer um adolescente de 14 anos a não fumar cigarros. Será que funciona falar-lhe sobre o risco de ter um ataque cardíaco aos trinta anos? Provavelmente não. Será melhor falar-lhe de como o cheiro do cigarro pode afastar amigos em potencial. Você precisa encontrar um valor partilhado.

    Em seu livro, Ressignificando, Richard Bandler e John Grinder dão um exemplo interessante do uso de valores partilhados para resolver um conflito sobre valores não partilhados. Um pai acaba de dizer à sua filha: "Se você não me ouvir e não voltar para casa até às 10 horas, eu vou te castigar durante uma semana... !" Após verificar que esta mensagem (uma mensagem "você" e uma "ameaça de usar o poder") não provoca uma reação muito boa da filha, Bandler e Grinder perguntam ao pai qual o valor que está por detrás de sua ordem.

    Ele responde: "Bem, eu cuido dela. Não quero que ela fique por aí zanzando pela rua. As drogas estão aí. Eu a quero dentro de casa, sã e salva. Ela é a minha menina, eu quero ter certeza de que ela faz as experiências que precisa para crescer como eu quero que ela cresça." A menina explica seus valores: "Mas esta é a minha vida!"

    Bandler e Grinder, então, apontam um valor que ambos partilham. "OK, Sam, ser independente faz parte da imagem que você tem do crescimento de sua filha? Você quer que ela seja uma mulher que conhece sua própria mente, que pode apoiar-se sobre seus próprios pés e tomar decisões por si mesma baseada na realidade do mundo? Ou você quer que ela seja empurrada para cá e para lá pelas opiniões de outros?"

    Quando essas duas pessoas se derem conta de que partilham o valor da "independência", provavelmente encontrarão meios mais úteis de comportar-se. Em certo sentido, elas querem a mesma coisa, apenas seus métodos são diferentes. O pai pode agora mudar sua forma de discutir o assunto e a filha pode mudar seu padrão noturno. Eles podem, de fato, estar preparados para resolver o problema usando o método ganha-ganha.

  2. Demonstrar a eficácia de nossas próprias habilidades ("modelagem", para usar esse termos da forma como é usado pela Psicologia). Se nós usarmos consistentemente uma comunicação respeitosa, nossos filhos tendem a copiar isso. As reações de Francis na situação acima, demonstra isso plenamente. Muitas vezes temos visto nossos filhos desenvolverem interesses e valores paralelos aos nossos (tornando-se vegetarianos, envolvendo-se em movimentos de mudança pessoal e social, evitando o uso de drogas recreativas, usando métodos orientais de meditação, etc.) sem que tenhamos sequer discutido o assunto com eles. Frequentemente eles adotaram esses valores em contraste com seu grupo, e com considerável esforço extra. A modelagem requer um certo grau de confiança de que nossos valores estão funcionando, e que os benefícios positivos deles podem ser vistos por nossos filhos. Quanto mais você gosta de alguém, tanto mais você procura copiar seus valores e padrões de comportamento. Os namorados "apaixonados" muitas vezes fazem grandes "conversões" de valores (muitas vezes até para surpresa de seus outros amigos).
     
  3. Consultoria. Esta é a habilidade fundamental para influenciar os valores alheios. Ela envolve a partilha cuidadosa das opiniões de alguém, e sua identificação. Envolve, também, a audição e a reflexão sobre as opiniões da outra pessoa, e o respeito em deixá-la decidir pela mudança ou não. Isso parece tão simples que muitas vezes o seu poder é subestimado. Mas, na verdade, muitos dos nossos valores atuais foram estabelecidos em função de uma consultoria eficaz de alguém. A consultoria não precisa resultar numa experiência de "conversão" imediata, em que a outra pessoa muda de opinião diante de você. Geralmente acontece de a pessoa ir embora, sentir-se bem com o respeito que você teve pelo seu direito de decidir, e rever de maneira mais calma os prós e contras de seu conselho.

Quando nós ensinávamos essas habilidades a grupos de pais pela primeira vez, convidávamos nossos filhos adolescentes para participar do grupo de treinamento, a fim de que as pessoas pudessem ter uma ideia de como era o "produto final". Uma vez, o filho de Richard, Francis, assistiu a uma sessão em que se discutia a consultoria. Richard explicou que a consultoria é uma forma de influência, não de coação, e que a outra pessoa toma sua própria decisão, até de não mudar. Como exemplo, Richard descrevia uma consultoria com Francis, quando este estava com 14 anos.

Francis queria sair para um centro de diversão de videogame, num sábado à noite. Havia uma oferta especial para os clientes usarem quantas máquinas quisessem, até às 23h. Richard estava preocupado porque um adolescente havia sido assassinado na saída desse centro, algumas semanas atrás. Ele achava que Francis e seus amigos não estariam seguros voltando do centro, de ônibus, àquela hora. Mas Richard tinha que ir a outro lugar, naquele sábado, e não queria supervisioná-los. Ele decidiu tentar convencer Francis a não ir. Pediu permissão para discutir o assunto, dizendo que ele tinha uma séria preocupação em relação à saída planejada. Francis concordou em ouvir, e Richard disse: "Eu entendo que você indo ou não ao centro, não me afeta diretamente. Não é minha decisão, e eu estou disposto a deixar que você a tome. No entretanto, eu realmente tenho uma séria preocupação em relação a essa saída porque, como você pode lembrar, há algumas semanas alguém foi assassinado na saída do centro. Eu acho que não é seguro sair de lá às 11h. da noite. Realmente estou com medo disso, e sentiria maior segurança se vocês saíssem mais cedo, digamos, às 8h."

Francis franziu as sobrancelhas. "Bem," disse ele, "eu acho que você está tendo uma reação exagerada. Nós não vamos ficar perambulando fora do centro. Nós estaremos dentro dele. E eles têm guardas de segurança. Provavelmente estarei mais seguro lá do que em casa."

Richard refletiu: "Então você acha que estou preocupado com algo que você não vai fazer." Francis concordou. "Bem, eu estou realmente preocupado. Para sair às 11h da noite, você precisa fazer todo esse caminho, e isso é um perigo real. É escuro, e não acho que se deva arriscar-se. Eu não acredito que o guarda de segurança seja capaz de supervisionar toda aquela gente."

Francis concordou, e depois rangeu os dentes. "Bem, meus amigos vão. E eu vou também", concluiu.

Ao contar essa história no treinamento, Richard explicou que Francis foi mesmo, e voltou bem. Esse foi um exemplo de uma consultoria mal sucedida, e um exemplo das decisões assustadoras, nem-preto-nem-branco que os pais tomam frequentemente. Richard decidiu que, se ele usasse a coação, o prejuízo ao seu relacionamento seria um risco muito mais sério do que o perigo naquela ocasião em particular. Então Francis, que estava ouvindo, na sala de treinamento, acrescentou: "Bem, na verdade, essa história tem uma continuação. Eu nunca contei para você, mas eu saí e pensei sobre o assunto. Pensei o seguinte: ‘Richard está sendo tolo a respeito disso. Eu tenho certeza de que estamos seguros... Mas, às vezes, Richard sabe algo que eu não sei, e talvez seja melhor garantir.’ Então, eu liguei para meu amigo e conseguimos que o irmão maior dele, de 21 anos, fosse buscar-nos no centro, às 11h. Nem me preocupei em contar isso ao Richard."

Numa relação cooperativa, em que se evita a coação, as pessoas exercem enorme influência uma sobre a outra, porque elas se tornam consultores confiáveis, ao invés de controladores.

Celebrando a cooperação

Discutimos as habilidades para ajudar os filhos quando eles encontram problemas para atingir seus objetivos. Discutimos habilidades para ajudar os pais quando eles têm um problema em relação ao comportamento de seus filhos. E falamos sobre conflitos, em que ambos têm uma preocupação relativa a eventos. As relações familiares bem sucedidas também dependem do que fazemos quando não há nenhum problema. Se os pais e os filhos interagem somente quando há um conflito, o risco é de que criem "âncoras negativas", em termos de PNL. Quando eles veem ou ouvem uns aos outros, eles ficam tensos, prontos para uma sessão de solução de conflitos. Qualquer relação bem sucedida encontra tempo para celebrar os bons momentos partilhados.

Em nossos 17 anos juntos como família, temos experimentado diversas maneiras de fazer isso. Por exemplo, enquanto todos os nossos quatro filhos moravam junto conosco, nós tínhamos um sistema de reunião semanal para discutir qualquer assunto que aparecesse. Completávamos essas reuniões com uma atividade de grupo de meia hora, e alternávamos a pessoa que escolheria tal atividade. Essa atividade poderia ser jogos esportivos, jogos novos, (veja LeFevre, 1988), "atividades para encontro de grupo" (ex.: veja Bolstad e Hamblett, 1998 p. 10-11) e celebrações ( veja Lieberman, 1991). Também pensamos em criar uma comunidade de famílias ao nosso redor; pessoas que haviam aprendido as habilidades aqui descritas e que partilhavam de nosso sonho.

E, no final, este artigo é parte do processo de expansão de nosso sonho para incluir você. Se você é um pai ou uma mãe, ou trabalha com pais, você sabe que os pais não acordam de manhã planejando discutir, insultar, humilhar, ameaçar, punir, e injuriar fisicamente seus filhos. Eles planejam levantar-se e celebrar a visão de um relacionamento de amor que sempre quiseram, desde sua infância. Geralmente, eles querem criar amizades duráveis, mutuamente respeitosas e carinhosas com seus filhos, e querem que seus filhos cresçam confiantes em sua capacidade de alcançar seus próprios objetivos, baseados em valores positivos e afirmadores da vida. Para alcançar esse objetivo é preciso clareza e habilidade pessoal. Mas a recompensa para a civilização, quando um número cada vez maior de pais consegue isso, será fenomenal. Porque nossos filhos estão aprendendo mais sobre a estrutura dos relacionamentos em seus primeiros 15 anos do que em qualquer outra época do século de suas vidas. E a maneira como nos relacionamos com eles tem um efeito profundo sobre seu relacionamento com os parceiros de sua vida futura, com seus colegas, amigos e concidadãos. Não há melhor lugar para começar a mudar o mundo do que dentro de nossas próprias casas.

Resumo

As crianças, como todos os seres humanos, têm suas próprias necessidades e querem alcançar seus resultados básicos da melhor maneira possível. A pesquisa mostra que o exercício da paternidade baseado nessa compreensão é altamente eficaz para criar o tipo de família que a grande maioria dos pais está procurando. Tudo isso começa com os pais identificando "quem tem qual problema" (quais os resultados básicos que não estão sendo alcançados por quem). Os pais podem ajudar os filhos a alcançar seus próprios resultados, através da audição reflexiva, que primeiro acompanha a tristeza do filho e depois ressignifica o problema como temporário, específico, situacional e solúvel. Quando o comportamento de seus filhos é sentido como um problema, os pais podem se movimentar na direção de atingir seus próprios objetivos, usando a mensagem "eu" e ouvindo reflexivamente a resposta do filho. Isto vai resolver o problema ou esclarecer que tipo de conflito está ocorrendo. Em um conflito de necessidades, o esclarecimento das necessidades ou resultados básicos de cada pessoa capacita ambos a descobrirem, através de um brainstorming, soluções possíveis para atender os dois conjuntos de objetivos, num acordo de ganha-ganha. Num conflito de valores, os pais têm a opção de influenciar poderosamente, construir valores partilhados, modelar o sucesso de seus próprios valores, e agir como um consultor que sabe respeitar esses valores. Arranjar tempo para celebrar a vida juntos garante que o ancoramento básico dos sentimentos dentro da família permaneça positivo, e que os conflitos sejam vistos no contexto de uma cooperação mais ampla.

Vivendo com Crianças de Maneira Cooperativa 1ª parte

Publicado na Anchor Point, Junho, 2000.
Tradução: Hélia Cadore
Publicado no Golfinho Impresso Nº 68 de SET/2000

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